O argumentista e realizador Paul Schrader vincou-o com clareza definitiva: no cinema, mais do que em qualquer outro domínio, não é o argumento nem muito menos a trama que garantem a qualidade espiritual (ou, melhor ainda, transcendente) de uma obra, mas o estilo, ou seja, essa particular inclinação do olhar que permite ao cineasta deixar intuir a existência de um outro plano, mais misterioso e vital em relação à sucessão dos acontecimentos.
Entre os modelos indicados por Schrader figura o francês Robert Bresson, realizador capaz de um rigor quase quaresmal. A sua produção, de resto, é inteiramente atravessada pela interrogação sobre Deus e sobre a fé, sobre as misérias do homem e sobre a sua possibilidade de encontrar a salvação. São os temas que se entretecem numa das suas obras-primas, “Diário de um pároco de aldeia”, realizado em 1951 com base no homónimo e inesquecível romance de Georges Bernanos.
Com o livro na mão (em Portugal está publicado pela Paulinas Editora) não se pode deixar de notar como o argumento, assinado pelo próprio Bresson, respeita até ao detalhe o antecedente literário. E todavia, apesar desta fidelidade, o “Diário” cinematográfico é para todos os efeitos um filme de Bresson, uma narrativa original e ainda hoje extraordinariamente eficaz na sua simplicidade de estrutura. Para isso muito contribui a clareza de um preto e branco que recorda a essencialidade das incisões de Dürer, transferidas porém para o contexto de uma modernidade contraditória e dolorida.