Se havia tarefa doméstica que Maria gostava de fazer era lavar roupa. Quando pegava na cesta da roupa debaixo do braço e se dirigia para o ribeiro no fundo da povoação, os seus olhos brilhavam, o seu coração transbordava de alegria e cantarolava pelo caminho, enquanto cumprimentava simpaticamente toda a vizinhança.
Sentia-se muito bem e feliz a realizar as tarefas familiares e a possibilidade de ir várias vezes por semana lavar roupa nas pedras das águas cristalinas do riacho era como que uma bênção do céu.
Apesar de já não existir o ruído que vinha das ferramentas e da clientela da carpintaria do seu falecido marido, José, era habitual a algazarra do filho com os amigos lá por casa. Estar um pedacinho sozinha, mergulhada no silêncio fecundo da natureza, a falar com os seus botões e a dialogar com Deus era um privilégio a que não renunciava nunca.
Outra coisa que apreciava quando ia ao ribeiro era a oportunidade de conviver com outras mulheres que, tal como ela, gostavam de falar de tudo e mais alguma coisa. O ambiente era sempre de muito entusiasmo e gostavam todas muito de cantar as mais conhecidas melodias e até a passarada se calava para as escutar.
Um dia, uma vizinha disse-lhe:
– Olha Maria, eu não sou de intrigas nem gosto de me meter em mexericos… mas andam por aí uns comentários menos agradáveis sobre o teu filho. Ele é um bocado estranho… diz umas coisas esquisitas que vão contra o que afirma a nossa religião e anda rodeado de gente pouco recomendável. É uma vergonha para a tua família e para a nossa terra… aliás ainda ninguém sabe muito bem como é que o José não se zangou a sério contigo já que andaram por aí durante muito tempo uns boatos sobre o nascimento do Jesus…
O coração de Maria como que lhe caiu ao chão. Depois de acabar de torcer uma camisola, sentou-se na margem do ribeiro em silêncio. Algumas mulheres que ali estavam lançaram um ar reprovador à autora daquelas afirmações, enquanto outras murmuravam, como que a confirmar o teor das mesmas.
Depois de uns momentos constrangedores para todas, Maria disse:
– Desculpem-me se nunca vos falei muito de mim. Mas eu sou mulher e mãe como vocês e tenho muito orgulho no meu filho e na minha família. Tal como vocês, acredito em Deus e sei que para Ele nada é impossível. Não percebo tudo o que Ele me pede mas confio nele e sinto que ele conta comigo. Tenho a minha consciência tranquila, nada fiz de mal nem o meu filho faz nada de mal. Não me importo muito no que dizem por aí sobre mim e sobre o Jesus.
Depois de falar, todas permaneceram caladas e Maria despediu-se, como sempre, com um largo sorriso do rosto. Ao chegar a casa, estendeu a roupa na corda que tinha no pátio junto ao poço e foi preparar a refeição.
Quando Jesus chegou para almoçar, como a conhecia bem, percebeu logo que alguma coisa se passara. Enquanto Maria lhe punha a sopa no prato, disse:
– Jesus, há muitas pessoas a falar mal de ti… até da nossa família há quem se sinta escandalizado. Naquele dia em que fui ter contigo e estavas a falar com muita gente, disseste que a tua mãe e os teus irmãos eram aqueles que fizessem a vontade de Deus… e, passados uns dias, quando uma senhora te disse que eram felizes as entranhas que te tinham trazido e os seios que te tinham amamentado, respondeste que eram mais felizes aqueles que ouviam a palavra de Deus e a observavam… Parece que aos poucos te estás a afastar de mim, filho!
Então, Jesus levantou-se e, com toda a ternura, sentou-se no colo da mãe, como o fazia em criança e, enquanto a abraçava, disse:
– Mamã, tu sabes bem o quanto te amo e não te troco por nada nem por ninguém. Não te enerves e não ligues ao que dizem por aí. A tua fé tem sido posta à prova, estás a caminhar e a aprender como eu, por entre dúvidas e incertezas… Quando aceitaste ser minha mãe, apesar daquilo tudo parecer muito misterioso, disseste ‘sim’, confiaste na graça de Deus e isso foi o suficiente… quando visitaste a tua prima Isabel e quando os pastores e os magos nos foram visitar a Belém tu e o pai ficavam admirados com o que diziam de mim mas confiaram… quando foste levar-me em bebé ao Templo, também não percebeste bem as palavras do velho Simeão mas agarraste-te à fé… quando fomos refugiados para o Egito, parecia que nada fazia sentido mas confiaste… quando eu me perdi aos doze anos em Jerusalém, sofreste e não descansaste enquanto não me encontraste e também não descodificaste completamente aquilo que eu te disse de ter que estar ocupado nas coisas do meu Pai dos céus… Lembro-me frequentemente de me teres dito algumas vezes que tinhas tudo o que se relacionava comigo na tua memória e no teu coração. Tem calma. Seja feita a vontade de Deus.
Maria disse, então:
– Ó filho, como fico bem e aliviada quando estou contigo e te ouço a falar… Só sei que sou a serva do Senhor e só quero que tudo se faça conforme a sua palavra. Eu e o teu pai sempre soubemos que eras especial e só Deus sabe o que lhe custou perceber a forma como aconteceu o teu nascimento. Ele tem feito maravilhas em mim… Sei que tens uma missão para realizar e tenho a certeza que nada ficará igual depois de ti. Amo-te tanto, tanto, tanto… Conta sempre comigo.
Maria saiu revigorada daquela conversa e continuou o dia-a-dia como se nada tivesse acontecido. As saídas e ausências de Jesus foram-se tornando cada vez mais frequentes. Tinha um grupo de doze amigos que o acompanhavam por todo o lado e partilhavam consigo uma forma diferente de olhar para a vida e de falar de Deus. Sempre que era possível, Maria ia ter com o filho e, como qualquer outra pessoa, deliciava-se com as histórias cheias de sumo que contava e com os gestos de amor que sempre revelava com os mais frágeis e indefesos.
Em certa ocasião, Maria acompanhou Jesus e alguns amigos a um casamento e, para desespero dos noivos, o vinho estava a acabar. Sempre preocupada e atenta a tudo e mais alguma coisa, Maria sugeriu ao filho que fizesse alguma coisa para que aquela situação embaraçosa se resolvesse. Apesar de Jesus ter parecido algo desinteressado com aquele assunto, Maria disse aos empregados que fizessem tudo quanto ele lhe dissesse. A verdade é que o filho conseguiu, pela graça divina, salvar a situação, realizando o seu primeiro milagre.
Jesus não deixava ninguém indiferente. Tinha uma personalidade tão forte, manifestava tanta sabedoria, realizava tantas coisas incríveis e tinha tanta gente a procurá-lo e a segui-lo, que não deixava ninguém indiferente. Maria apreciava que gostassem do filho mas ficava, ao mesmo tempo, perturbada quando ouvia rumores de que os romanos e os judeus mais radicais desejavam a sua morte.
As coisas agravaram-se quando as acusações de blasfemo e de revolucionário se acentuaram. Maria educara o filho nos valores e princípios do Judaísmo mas a verdade é que a maneira de Jesus interpretar a fé, as leis e as obras era diferente. Dizia que o Reino de Deus tinha chegado, que era um reino diferente dos reinos deste mundo e que era rei. Chamava a Deus de Pai, resumia todas as leis no mandamento do Amor e dizia que era o caminho, a verdade e a vida. Ao mesmo tempo, Jesus tornara-se uma ameaça para o poder político estrangeiro instalado e consideravam que, líder e inteligente como era, poderia facilmente organizar uma rebelião.
Jesus ia de vez em quando a casa para estar com a mãe e descansar um pouco. Dialogavam muitas vezes sobre a sua filosofia de vida e sobre os perigos que corria. Um dia, Jesus disse-lhe.
– Mamã, eu tornei-me incómodo para muita gente e sinto que a minha vida está em risco. Mas não me passa pela cabeça fugir. Tu ensinaste-me a lutar pelos meus ideais e a não desistir diante das adversidades. Podem pensar que me vão matar mas a verdade é que sou eu que quero dar a vida. Não há maior amor do que ser capaz de entregar a própria vida em sinal de amor pelos outros. O meu sangue será a melhor prova do projeto de salvação e felicidade que anunciei durante estes anos. Mas o Pai não vai deixar-me nas mãos da morte. Espero que compreendas. Eu sei que vais ser forte. Continuarei a contar contigo mesmo depois de partir.
Maria agarrou-se a Jesus e chorou inconsolavelmente. Não lhe disse uma palavra mas, enquanto o beijava e olhava nos olhos, deu-lhe a entender que percebia que ele tinha nascido para aquilo.
Passados uns dias, prenderam Jesus e obrigaram-no a levar uma cruz para o monte onde havia de ser morto. Maria acompanhou o filho o mais perto que pôde e impressionava a forma serena como enfrentava a sua dor incomensurável. Na cruz, Jesus ainda conseguiu dizer ao seu amigo João que acolhesse Maria como sua mãe e que Maria o considerasse como filho. Jesus deu o último suspiro olhando para a sua mãe e ela experimentou a maior dor que pode acontecer: a morte de um filho.
Inexplicavelmente, passados três dias, Jesus apareceu em casa da mãe. E disse-lhe:
– Mamã, eu venci a morte porque sou a Vida. Eu tinha-te dito… Vês, Deus é bom. Quis que me visses antes que todos os outros para que pudesses tocar-me e confirmar que estou bem. Agora vou aparecer e falar com os meus amigos. Acompanha e ajuda todos aqueles que acreditam em mim para que a boa nova que anunciei seja semente de felicidade e vida plena para toda a humanidade.
Maria não cabia em si de alegria. Jesus tinha ressuscitado como tinha dito. Como homem tiraram-lhe a vida, mas como Deus não podia morrer. Era a melhor notícia do mundo. Maria sentia-se orgulhosa de tudo aquilo e com uma vontade desmesurada de ir por todo o planeta testemunhar as palavras e as obras do seu filho.
Maria encontrava-se muitas vezes com os discípulos de Jesus de forma discreta, com receio dos judeus e dos romanos. Conviviam, falavam das coisas que o Mestre falara, celebravam a vida e oravam. Quando Jesus foi para junto do Pai e enviou o seu Espírito, como prometera, ninguém voltou a temer nada nem ninguém e a força de Deus estava com eles.
Maria sentia-se a mais feliz das mulheres e desejava com todo o seu coração ir para junto do filho. E Deus levou-a para que ela jamais estivesse longe de alguém.
Fonte: IMISSIO