
Centra-se num conjunto de nove imagens de Santos, Via Sacra e um Cristo Crucificado concebidas por Altino Maia (1911-1988) para a Igreja Paroquial de São Pedro da Afurada, inaugurada em 1955.
Apesar do evidente valor artístico das peças criadas por Altino Maia e da sua apoteótica viagem até à Afurada, por meio de barcos, os habitantes locais não criaram empatia com as mesmas por não reconhecerem nelas, à época, uma ligação devocional.
Altino Maia, enquanto estudante da Escola de Belas Artes do Porto, estava familiarizado com os movimentos artísticos da época, o que lhe permitiu desenvolver o seu próprio pensamento e estética.
As imagens criadas por Altino Maia não visam uma compreensão imediata, mas uma lenta revelação que se relaciona com a observação conceptual das peças e uma devoção espiritual.
Barata Feyo afirma que o conjunto das imagens é revelador da sabedoria artística de Altino Maia.
Os Santos d’Afurada

Nas imagens de Altino Maia observa-se uma redução formal a nível linguístico e icónico.
O artista reduz a linguagem ao essencial no tratamento das vestes.
Para Altino Maia, a matéria tem a sua própria expressividade, procurando-a explorar através de planos amplos e retos.
Altino Maia utiliza a cor como elemento expressivo da forma.
Santa Luzia exibe um prato com os olhos, o seu principal atributo, que permite a sua identificação. Nesta escultura observa-se o uso canónico das cores vermelha, azul e amarela.
Os Santos “Pretos”, a Via Sacra e o Cristo Crucificado formam o conjunto de imaginária concebido por Altino Maia para o programa decorativo e devocional da Igreja Paroquial de São Pedro da Afurada. As figuras atestam a dualidade de um autor que faz uso de materiais e técnicas tradicionais para demonstrar as suas características modernistas. Apesar de serem desconhecidas as razões que conduziram à escolha destas invocações, é possível reconhecer, em todas elas, ligações afetivas com a comunidade afuradense. Nesse sentido, distinguem-se os santos muito cultuados em comunidades piscatórias como São Pedro (o padroeiro) e São João Batista (patrono da paróquia da Foz do Douro fronteira a Afurada), mas também Nossa Senhora de Fátima, cuja afirmação do culto coincide com a década da construção da igreja paroquial. Intercessores privilegiados junto do Sagrado, é para os santos que os fiéis dirigem os seus medos, rogam proteção, fazem promessas e oferecem votos por graça recebida.
A Via-Sacra d’Afurada

A Via Sacra recorda a Paixão de Cristo durante a subida ao Calvário.
Experienciados primeiramente pelo teatro litúrgico, os Passos foram materializados em suportes artísticos, colocados nos muros das igrejas ou a marcar a subida íngreme de uma colina.
O Santo António d’Afurada

Em Portugal, a já forte devoção a Santo António, intensificou-se com a chegada da Sua relíquia, oferecida por Pádua, em 1968. É festejado entre os Santos Populares.
A mão esquerda segura um livro com uma inscrição, entendida como um pedido de contínua inspiração para fazer da retórica, da verdade e da sabedoria caminhos de evangelização.
Nossa Senhora de Fátima d’Afurada

A devoção a Nossa Senhora de Fátima assenta na crença das aparições da Virgem a três crianças pastoras – Lúcia (beatificada em 2008), São Francisco Marto e Santa Jacinta Marto (canonizados em 2017) -, no lugar da Cova da Iria, atualmente conhecido como o Altar do Mundo.
São José d’Afurada

São José é o santo padroeiro dos trabalhadores, dos carpinteiros, da boa morte e Pai da Igreja Universal. A sua Festa Litúrgica celebra-se a 19 de março, atualmente o Dia do Pai.
São João Batista d’Afurada

São João Batista retirou-se muito jovem para o deserto da Judeia para viver em penitência, pregando a vinda do Salvador e batizando Jesus no rio Jordão.
Na iconografia tradicional cobre o magro corpo com uma pele de camelo e um manto normalmente vermelho, exibindo longos cabelos e barbas.
São Pedro d’Afurada

Entendido como o “Príncipe dos Apóstolos”, Simão Pedro recebe a missão de edificar a Igreja de Cristo – Pedro significa “pedra” em latim. Pescador de ofício, é muito venerado em comunidades piscatórias, o que explica o seu culto na Afurada.
Na mão direita segura duas chaves, uma de ouro e outra de prata, simbolizando o céu e a terra, o absolver e o excomungar.
Santa Luzia d’Afurada

Santa Luzia é conhecida como a protetora dos olhos. Seu nome vem de Lúcia, que em latim significa luz ou caminho de luz.
Na mão direita segura duas chaves, uma de ouro e outra de prata, simbolizando o céu e a terra, o absolver e o excomungar.
Santa Inês d’Afurada

Santa Inês (casta) é o modelo de pureza e de fé inabalável, por ter permanecido fiel ao seu voto e compromisso para com Cristo apesar dos suplícios que padeceu. Louvada pela preservação da sua castidade, converteu-se na padroeira das virgens, das noivas e das vítimas de violação.
Inês representa, deste modo, a personificação feminina do “Agnus Dei”, o cordeiro imolado e consagrado a Deus.
Santa Ana d’Afurada

Santa Ana, símbolo de maternidade e de pureza, é mãe de Maria e avó de Jesus.
Pela sua fé em Deus, foi-lhe concedida a Graça de ser mãe em idade avançada. Padroeira das avós e das mulheres, Santa Ana é a personificação do amor que protege a Humanidade.
Sagrado Coração de Jesus d’Afurada

Na imagem do Sagrado Coração de Jesus de Altino Maia é possível observar três símbolos de grande importância espiritual: o sagrado coração, as chamas e a cruz.
Esta devoção reflete o sentimento da Igreja em relação ao Amor e Compaixão do Coração de Cristo pela Humanidade
A 10 de julho de 1955, pelas 15:30h, iniciou-se a cerimónia de inauguração da nova igreja de São Pedro da Afurada, um evento de grande aparato que se estendeu à outra margem do rio Douro. As nove imagens criadas por Altino Maia chegaram à Afurada numa procissão fluvial, levadas por traineiras ornamentadas e acompanhadas por barcos de pesca. O desfile teve início no cais da Ribeira do Porto, onde as imagens foram benzidas pelo bispo da cidade – D. António Ferreira Gomes (episc. 1952-1982). Cada imagem seguiu no seu barco até à Praceta de São Pedro, na Afurada, onde eram ansiosamente esperadas. Chegadas ao destino, as imagens foram carregadas em andores pela população da Afurada até ao interior da nova igreja, que também recebeu a bênção do bispo D. António Ferreira Gomes. Aí foram colocadas nas suas respetivas mísulas, substituindo as antigas imagens. Desde logo fez-se sentir um incómodo entre os paroquianos, uma vez que o conjunto de esculturas se diferenciava das figuras tradicionais a que estes estavam habituados. No seio da comunidade, poucos foram os que não mostraram desagrado pelas novas imagens. O conjunto ficou popularmente conhecido como “Os Santos Pretos” devido à sua singela policromia e estilo inovador, que dificultava o reconhecimento emotivo dos santos à época e no seu novo contexto devocional. Coube ao Padre Joaquim Araújo criar as primeiras ações de sensibilização com o objetivo de tornar a população da Afurada mais recetiva a este conjunto escultórico, o que, com a passagem do tempo, acabou por acontecer. No entanto, apesar dos esforços realizados, assim que o Padre Araújo se retirou da paróquia, em março de 1999, as imagens concebidas por Altino Maia foram também apeadas das suas mísulas. Com a entrada do Padre Saraiva, as esculturas foram substituídas por imagens mais convencionais e que continuam a ser atualmente objeto de culto. Os “Santos Pretos” foram, por sua vez, exilados em armários na sala-museu /sacristia da igreja, escondidos assim dos olhos do mundo.
Milhares de Pessoas assistiram ao desfile de uma grande e imponente procissão fluvial.
“Como uma mancha colorida e movimentada a procissão fluvial inicia o seu desfile até à Afurada”.
“As nove imagens iam uma em cada barca devidamente enfeitada”. Milhares de pessoas aguardavam a chegada das imagens.
As imagens de Altino Maia imediatamente geraram desconforto, tendo sido rejeitadas pela comunidade que passou a designá-las como “Santos Pretos”. As esculturas foram substituídas por imagens tradicionais.
Excetuando os relevos da Via Sacra pendurados na parede norte da nave e o Cristo Crucificado, as nove esculturas de Altino Maia foram e continuam enclausuradas nos armários da sacristia da igreja.
Urge tornar as imagens públicas, expô-las aos olhos do mundo, fazendo-as cumprir a missão para as quais foram concebidas.